Urbanismo III
Professores: João Rovati e Leandro Andrade
Estagiárias docentes: Natália Alano e Nathalia Danezi
2016/2
Relatório Final
Para começar a escrever sobre Urbanismo III eu preciso tentar descrever uma mistura de dois sentimentos. Nessa cadeira ministrada pelo Rovati e pelo Leandro eu senti tanto realização como decepção, que posso explicar facilmente.
Realização por estudar e fazer o que eu gosto, além de aprender e conviver com bons amigos (colegas, professores e monitoras). Decepção por ter tão pouco desses momentos de realização dentro da faculdade, mesmo já estando na reta final do curso.
Depois de ficar um longo tempo na inércia da busca por um diploma e nada mais, tive vontade de aprender novamente e ir cedo para a aula (não é a toa que não faltei uma única aula sequer, tampouco cheguei atrasado). Então me pergunto: como os professores conseguiram fazer isso, sendo que suas aulas não tinham nada de mágico, ou extremamente diferente das outras?
Bem, nada de muito diferente, entretanto, pode até parecer verdade se visto por um olhar breve e distante.
Na primeira aula já houve uma grata surpresa, uma extimativa do que viria pela frente: o gambá que não sabia sorrir. Esse livro, que "lemos em apenas uma aula", não é extremamente conhecido na arquitetura e urbanismo, não tem palavras rebuscadas com a linguagem "academês", nem sequer referências de arquitetos ou urbanistas reconhecidos. O semestre começou com uma história que poderia ser vista quase como infantil, com ilustrações coloridas, e uma mensagem que eu não estava esperando: o conhecimento não está (somente) nos livros ou na universidade, mas sim em escutar e observar as pessoas e o mundo "real".
O debate a respeito dessa e outras mensagens que o livro trazia foram maravilhosas. Mas uma delas talvez não foi discutida, não que eu me lembre. Não estava todavia no livro, mas no gesto dos professores em apresentar tal livro para nós. Estavam dizendo que não sabiam tudo, que erravam, que eram tão alunos quanto a gente. Nesse momento os vimos fora do pedestal que muitos professores se colocam, e isso foi extremamente bom, pois nos dava segurança para falar, nos abrir, errar, e muito mais.
Como eu gostaria de continuar escrevendo e relembrando do livro e da aula. Uma mensagem fácil e clara, que fez os alunos debatarem a respeito por um longo tempo. O que mais eu poderia querer dentro da faculdade?
Na próxima aula veio outro texto incrível: manifesto (incompleto) pelo crescimento, de Bruce Mau.
Dos 42 manisfestos cada um mereceria uma aula só para ele. Não cansaria de discutir a respeito. Novamente foi um texto que deixava os alunos sem medo, motivando-os a experimentar, focar no processo e não no resultado, algo que eu ainda não havia escutado dentro da faculdade, e tão importante para nosso crescimento pessoal e profissional.
Acredito que somente nessas duas aulas que mencionei eu já havia aprendido mais que, chutando baixo, cinquenta por cento das cadeiras que eu já havia completado até então. E não é exagero. Não que elas não tivessem coisas importantes, mas em muitas delas eu não tinha interesse, ou, pela maneira que foi "ensinada", eu acabara esquecendo o conteúdo depois da primeira prova. Afinal me foram passadas num ritmo acelerado para conseguir vencer todo o conteúdo tão importante e que nunca mais lembrarei. Resumindo, não foram ensinadas com a calma e questionamento (ou interesse) que os alunos precisavam.
Permita-se ser modificado pelas experiências; esqueça-se do bom; o processo é mais importante que o resultado; explore a liberdade fazendo do seu trabalho belas experiêcias, repetições, tentativas e erros; a resposta errada é a resposta certa a procura de uma pergunta diferente; permita-se vagar sem rumo; faça menos julgamentos, adie a crítica; permita-se que o fracasso e a migração façam parte da sua rotina profissional; vá devagar; faça perguntas bobas, o crescimento é alimentado por desejo e inocência; colabore; ; fique acordado até tarde; repita-se; faça suas próprias ferramentas; evite programas de computador; escute atentamente; imite; faça visitas a campo; cruze os campos, pule as cercas; ria; poder para o povo; essas são citações do manifesto que para mim fizeram e vão fazer a diferença por muito tempo, e vou mostrá-las para sempre para todos que conheço.
Nas aulas seguintes trabalhamos a "cidade das palavras", com mais discussões, desta vez sobre textos mais subjetivos e nos preparando para a primeira ida a Tapes. Achei legal, mas já estava com vontade de sair, e as primeiras aulas ainda estavam fervilhando na minha cabeça.
Então chegou o grande momento de trabalhar a primeira saída de campo. Toda a preparação para essa saída parece que foi muito pensada e trabalhada pelos professores. Desde o primeiro dia de aula até o momento de dispersão do grupo de alunos na praça central de Tapes, com os roteiros, tarefas, e a dica final do Leandro de tirar fotos como se estivéssemos com uma câmera analógica, ficou divertido, fácil e interessante conhecer a cidade, além de uma motivação extra com a missão seis, do guia gastronômico.
Acredito que a experiência foi muito construtiva para todos, afinal Tapes é uma cidade única, calma, acolhedora, e as sensações de percorrer suas ruas, pelo menos para mim, foram das mais diversas, desde a comparação do contraste com Porto Alegre, até as lembranças das cidades do interior onde já havia vivido.
Tive gratas surpresas, com a conversa que tive com um senhor que construía seu próprio barco de pesca; com um almoço delicioso a beira da lagoa; a calmaria da cidade no horário do almoço; além das surpresas negativas, ao saber e ver a poluição e "privatização" da lagoa, que tem os terrenos da sua margem dominado por casas particulares ou prédios de empresas falidas.
Foi uma experiência maravilhosa.
Incrível foi também a descrição dos colegas sobre Tapes, suas emoções, sentimentos, descobertas, conversas com moradores, e também suas surpresas. Além de compartirmos tudo o que vivenciamos, nos juntamos em grupos e cumprimos as tarefas pedidas pelos professores. Com as nossas fotos e experiências fizemos um trabalho simples, porém com ótimos resultados no meu ponto de vista, com painéis dos mais diversos, textos muito bacanas, além de um poema extramemente lindo escrito por uma colega. E aí está um dos pontos que mais me agradou na disciplina. Senti que havia uma certa liberdade para os alunos fazerem suas entregas, possibilitando que esses pudessem por em prática suas habilidades e gostos além das ferramentas computacionais de arquitetura e graficação. Adorei fazer meu texto sobre Tapes, assim como escutar os textos dos colegas e sua maneira de escrever.
A segunda jornada foi tão boa quanto a anterior. Os professores novamente fizeram uma ótima preparação, com algumas tarefas, e fomos descobrir, desta vez, alguns detalhes sobre a cidade, pois cada grupo ficou responsável por analisar uma rua diferente, e dela extrair informações.
O roteiro dado pelos professores foi de grande ajuda para alcançar os resultados obtidos. Uma das tarefas, a que eu mais gostei e faria mesmo que não fosse solicitado, era falar com ao menos três moradores que encontrássemos pelo caminho. Falamos com exatamente três, pois não tivemos mais tempo de falar com outros, pois cada pessoa com que falamos falou por muito, mas muito tempo. Tinham uma necessidade de falar, e isso foi marcante para mim: seus problemas, visões e expectativas sobre Tapes, que mudavam muito de pessoa para pessoa. Além de seus problemas pessoais que também vieram a tona, como o caso de Jeneci, catadora de lixo, que tinha sua profissão vista com maus olhos pela filha de quinze anos, além de sentir extrema saudade dos filhos mais velhos que foram morar longe devido a falta de emprego de Tapes.
O trabalho seguinte foi analisar o que vimos e fotografamos da rua, mas o que mais me marcou e tive vontade de fazer foi analisar as conversas, e novamente, a partir de um roteiro simples, conseguimos resultados excelentes.
Depois de, como diziam o Leandro e o Rovati, estarmos projetando desde o primeiro dia de aula, começamos a desenhar e a criar propostas para a cidade. Todas as aulas e as duas saídas foram muito importantes para termos ideias coerentes com a realidade e os problemas de Tapes. Os alunos tiveram novamente a chance de se expressar da maneira que mais gostavam. Eu experimentei fazer alguns desenhos com aquarelas, chamando minha companheira Amanda Demétrio para ajudar.
O semestre foi isso: muitas discussões, textos maravilhosos (dos alunos e para os alunos), saídas de campo, professores atenciosos, motivados e motivadores.
Então, onde está a mágica? Onde está a grande diferença? Está no simples; em olhar no olho; em ensinar, mas também aprender; em buscar a realidade fora da faculdade; nas desobertas; investigação; liberdade; etc.
E o resultado se vê não somente nos ótimos trabalhos entregues, mas quando um aluno, por não poder cumprir toda a disciplina, fica em dúvida se entrega ou não o relatório que o fará seguir para o próximo semestre. Como disse Bruce Mau, repita-se, e eu complemento, ainda mais se forem experiências maravilhosas que te fazem mudar.
Filipe Baumbach