Relatório Urbanismo III

     Universidade Federal do Rio Grande do Sul

     Urbanismo III
     Professores: João Rovati e Leandro Andrade
     Estagiárias docentes: Natália Alano e Nathalia Danezi
     2016/2


Relatório Final 

     Para começar a escrever sobre Urbanismo III eu preciso tentar descrever uma mistura de dois sentimentos. Nessa cadeira ministrada pelo Rovati e pelo Leandro eu senti tanto realização como decepção, que posso explicar facilmente.
     Realização por estudar e fazer o que eu gosto, além de aprender e conviver com bons amigos (colegas, professores e monitoras). Decepção por ter tão pouco desses momentos de realização dentro da faculdade, mesmo já estando na reta final do curso.
     Depois de ficar um longo tempo na inércia da busca por um diploma e nada mais, tive vontade de aprender novamente e ir cedo para a aula (não é a toa que não faltei uma única aula sequer, tampouco cheguei atrasado). Então me pergunto: como os professores conseguiram fazer isso, sendo que suas aulas não tinham nada de mágico, ou extremamente diferente das outras?
     Bem, nada de muito diferente, entretanto, pode até parecer verdade se visto por um olhar breve e distante.

     Na primeira aula já houve uma grata surpresa, uma extimativa do que viria pela frente: o gambá que não sabia sorrir. Esse livro, que "lemos em apenas uma aula", não é extremamente conhecido na arquitetura e urbanismo, não tem palavras rebuscadas com a linguagem "academês", nem sequer referências de arquitetos ou urbanistas reconhecidos. O semestre começou com uma história que poderia ser vista quase como infantil, com ilustrações coloridas, e uma mensagem que eu não estava esperando: o conhecimento não está (somente) nos livros ou na universidade, mas sim em escutar e observar as pessoas e o mundo "real".
     O debate a respeito dessa e outras mensagens que o livro trazia foram maravilhosas. Mas uma delas talvez não foi discutida, não que eu me lembre. Não estava todavia no livro, mas no gesto dos professores em apresentar tal livro para nós. Estavam dizendo que não sabiam tudo, que erravam, que eram tão alunos quanto a gente. Nesse momento os vimos fora do pedestal que muitos professores se colocam, e isso foi extremamente bom, pois nos dava segurança para falar, nos abrir, errar, e muito mais.
     Como eu gostaria de continuar escrevendo e relembrando do livro e da aula. Uma mensagem fácil e clara, que fez os alunos debatarem a respeito por um longo tempo. O que mais eu poderia querer dentro da faculdade?
     Na próxima aula veio outro texto incrível: manifesto (incompleto) pelo crescimento, de Bruce Mau. 
     Dos 42 manisfestos cada um mereceria uma aula só para ele. Não cansaria de discutir a respeito. Novamente foi um texto que deixava os alunos sem medo, motivando-os a experimentar, focar no processo e não no resultado, algo que eu ainda não havia escutado dentro da faculdade, e tão importante para nosso crescimento pessoal e profissional.
     Acredito que somente nessas duas aulas que mencionei eu já havia aprendido mais que, chutando baixo, cinquenta por cento das cadeiras que eu já havia completado até então. E não é exagero. Não que elas não tivessem coisas importantes, mas em muitas delas eu não tinha interesse, ou, pela maneira que foi "ensinada", eu acabara esquecendo o conteúdo depois da primeira prova. Afinal me foram passadas num ritmo acelerado para conseguir vencer todo o conteúdo tão importante e que nunca mais lembrarei. Resumindo, não foram ensinadas com a calma e questionamento (ou interesse) que os alunos precisavam.
     Permita-se ser modificado pelas experiências; esqueça-se do bom; o processo é mais importante que o resultado; explore a liberdade fazendo do seu trabalho belas experiêcias, repetições, tentativas e erros; a resposta errada é a resposta certa a procura de uma pergunta diferente; permita-se vagar sem rumo; faça menos julgamentos, adie a crítica; permita-se que o fracasso e a migração façam parte da sua rotina profissional; vá devagar; faça perguntas bobas, o crescimento é alimentado por desejo e inocência; colabore;                 ; fique acordado até tarde; repita-se; faça suas próprias ferramentas; evite programas de computador; escute atentamente; imite; faça visitas a campo; cruze os campos, pule as cercas; ria; poder para o povo; essas são citações do manifesto que para mim fizeram e vão fazer a diferença por muito tempo, e vou mostrá-las para sempre para todos que conheço.
     Nas aulas seguintes trabalhamos a "cidade das palavras", com mais discussões, desta vez sobre textos mais subjetivos e nos preparando para a primeira ida a Tapes. Achei legal, mas já estava com vontade de sair, e as primeiras aulas ainda estavam fervilhando na minha cabeça. 
     Então chegou o grande momento de trabalhar a primeira saída de campo. Toda a preparação para essa saída parece que foi muito pensada e trabalhada pelos professores. Desde o primeiro dia de aula até o momento de dispersão do grupo de alunos na praça central de Tapes, com os roteiros, tarefas, e a dica final do Leandro de tirar fotos como se estivéssemos com uma câmera analógica, ficou divertido, fácil e interessante conhecer a cidade, além de uma motivação extra com a missão seis, do guia gastronômico.
     Acredito que a experiência foi muito construtiva para todos, afinal Tapes é uma cidade única, calma, acolhedora, e as sensações de percorrer suas ruas, pelo menos para mim, foram das mais diversas, desde a comparação do contraste com Porto Alegre, até as lembranças das cidades do interior onde já havia vivido.
    Tive gratas surpresas, com a conversa que tive com um senhor que construía seu próprio barco de pesca; com um almoço delicioso a beira da lagoa; a calmaria da cidade no horário do almoço; além das surpresas negativas, ao saber e ver a poluição e "privatização" da lagoa, que tem os terrenos da sua margem dominado por casas particulares ou prédios de empresas falidas.
    Foi uma experiência maravilhosa.
    Incrível foi também a descrição dos colegas sobre Tapes, suas emoções, sentimentos, descobertas, conversas com moradores, e também suas surpresas. Além de compartirmos tudo o que vivenciamos, nos juntamos em grupos e cumprimos as tarefas pedidas pelos professores. Com as nossas fotos e experiências fizemos um trabalho simples, porém com ótimos resultados no meu ponto de vista, com painéis dos mais diversos, textos muito bacanas, além de um poema extramemente lindo escrito por uma colega. E aí está um dos pontos que mais me agradou na disciplina. Senti que havia uma certa liberdade para os alunos fazerem suas entregas, possibilitando que esses pudessem por em prática suas habilidades e gostos além das ferramentas computacionais de arquitetura e graficação. Adorei fazer meu texto sobre Tapes, assim como escutar os textos dos colegas e sua maneira de escrever.

    A segunda jornada foi tão boa quanto a anterior. Os professores novamente fizeram uma ótima preparação, com algumas tarefas, e fomos descobrir, desta vez, alguns detalhes sobre a cidade, pois cada grupo ficou responsável por analisar uma rua diferente, e dela extrair informações.
    O roteiro dado pelos professores foi de grande ajuda para alcançar os resultados obtidos. Uma das tarefas, a que eu mais gostei e faria mesmo que não fosse solicitado, era falar com ao menos três moradores que encontrássemos pelo caminho. Falamos com exatamente três, pois não tivemos mais tempo de falar com outros, pois cada pessoa com que falamos falou por muito, mas muito tempo. Tinham uma necessidade de falar, e isso foi marcante para mim: seus problemas, visões e expectativas sobre Tapes, que mudavam muito de pessoa para pessoa. Além de seus problemas pessoais que também vieram a tona, como o caso de Jeneci, catadora de lixo, que tinha sua profissão vista com maus olhos pela filha de quinze anos, além de sentir extrema saudade dos filhos mais velhos que foram morar longe devido a falta de emprego de Tapes.
     O trabalho seguinte foi analisar o que vimos e fotografamos da rua, mas o que mais me marcou e tive vontade de fazer foi analisar as conversas, e novamente, a partir de um roteiro simples, conseguimos resultados excelentes. 
     Depois de, como diziam o Leandro e o Rovati, estarmos projetando desde o primeiro dia de aula, começamos a desenhar e a criar propostas para a cidade. Todas as aulas e as duas saídas foram muito importantes para termos ideias coerentes com a realidade e os problemas de Tapes. Os alunos tiveram novamente a chance de se expressar da maneira que mais gostavam. Eu experimentei fazer alguns desenhos com aquarelas, chamando minha companheira Amanda Demétrio para ajudar.

     O semestre foi isso: muitas discussões, textos maravilhosos (dos alunos e para os alunos), saídas de campo, professores atenciosos, motivados e motivadores. 

     Então, onde está a mágica? Onde está a grande diferença? Está no simples; em olhar no olho; em ensinar, mas também aprender; em buscar a realidade fora da faculdade; nas desobertas; investigação; liberdade; etc. 

     E o resultado se vê não somente nos ótimos trabalhos entregues, mas quando um aluno, por não poder cumprir toda a disciplina, fica em dúvida se entrega ou não o relatório que o fará seguir para o próximo semestre. Como disse Bruce Mau, repita-se, e eu complemento, ainda mais se forem experiências maravilhosas que te fazem mudar.

Filipe Baumbach

de Álvaro Siza

Para tentar entender um pouco mais sobre Álvaro Siza e como ele pensa, tendo assim mais material para fazer uma apresentação sobre sua obra em Rosário (ARG), resolvi ler seu livro autobiográfico "IMAGINAR A EVIDÊNCIA".
O que achei que seria mais um livro, de mais um arquiteto falando de suas ideias criativas, originais, e sobre suas inspirações divinas e blablabla, na verdade se tornou uma inspiração, não só por alguns trechos que reproduzi neste post, mas por várias outras partes, que mostram uma pessoa sensível, ética, e outras características que me tornaram seu fã, ainda que timidamente.

Espero que mais aspiradores a arquitetos e urbanistas leiam o livro e se inspirem nesses e outros bons momentos que Álvaro divide com a gente.


Trechos do livro:

Imaginação significa recordar aquilo que a memória escreveu dentro de nós, e pô-la em confronto com as exigências e as condições... - Vittorio Grefotti, prefácio

A relação entre natureza e construção é decisiva na narquitetura .... representa para mim como que uma obsessão.

Muitas vezes, construir num local muito belo equivale a destruí-lo.

Creio que o aprendizado, em arquitetura, signifique uma ampliação da área de referências.

O arquiteto trabalha manipulando a memória conscientemente mas a maioria das vezes subconsicentemente.

O desejo de continuidade absoluta encontra, ou deveria encontrar, nas razões do conforto e controle do isolamento térmico, motivos para um redimensionamento na travessia entre dentro e fora e sempre necessária uma mediação, uma transição.

... pressa para concluir tudo rapidamente, esta tensão para uma solução definitiva impede completamentariedade entre as várias escalas, entre o tecido urbano e o monumento, entre o espaço aberto e a construção.

Existe a convicção de que para a habitação social qualquer coisa está bem, inclusive a redução de honorários do arquiteto. Contudo, para se alcançar qualidade em projectos tão complexos é necessário uma pesquisa maior.

Minha preocupação em desenhar, suponhamos, uma cadeira é a de que pareça uma cadeira ... a necessidade de originalidade e diferença conduz quase sempre ao abandono da essência de um determinado objeto.

... cadeira Thonet ... a impressão geral é de uma coisa absolutamente singular, sensacional, mas ao mesmo tempo banal. Creio, que no momento em que estes dois aspectos coexistam, esteja alcançada a quinta essência da perfeição.

O exercício da observação é prioritário para um arquiteto. Quanto mais observamos, tanto mais clara surgirá a essência do objeto. E esta consolidar-se-à como conhecimento vago, instintivo.



trechos da Nota autobiográfica:

Nasceu em Matosinhos em 1933. Tornou-se arquiteto em vez de escultor, para não contrariar o pai.

Iniciou a actividade profissional durante os anos de Escola, por falta de paciência par apenas estudar.


Empenhou-se num projecto colectivo da época: não ser tradicionalista e não ignorar as raízes.

Trabalhou par aAssociações de Moradores, no pós-Revolução 25 de abril, vivendo um intenso processo participado. Foi estimulante, criativo e rapidamente impedido.

Aceitou convites de outros países. Os primeiros trabalhos em Berlim não agaradaram, por não corresponderem à expectativa (c´riticas pela ausência da esperada delicadeza do detalhe, por timidez de inspiração).

Recebeu contudo vários prêmios internacionais, e por isso convites para trabalhar em Portugal, seguidos de críticas e da classificação de "estrangeirado".

É com frequência considerado lento e pouco energético, o que não deixa de ser verdade.

Quando tem continuidade, o trabalho transforma-se numa espécie de corrida de obstáculos


Farol de Santa Marta - Fotos

Quanta coisinha pra observar ao se tirar uma foto: 

cada tempo de exposição diferente deixava o céu e as nuvens com uma cor incrível;

a foto noturna que gostaria de tirar não pareceu tão noturna, pois o céu tinha no final da tarde a iluminação do sol, e logo depois a iluminação da lua cheia, e que lua;

ângulo, o que colocar, o que tirar, quanto do céu, quanto das pedras;

e a quantidade de mosquito no entardecer;

e a lanterna que esqueci;

quanta coisa mais, e mais, e mais...

Mas sempre com boa companhia (às 5 da manhã ou as 8 da noite), um chimarrão, e é claro, os momentos espetaculares que vivenciei e que, acima de tudo, aproveitei.



















Percepção Ambiental e Urbanismo - Trabalho Final

1 - apresentação
2 - passeio 1 - da FAU ao Mercado
3 - passeio 2 - da FAU à CCMQ
4 - passeio 3 - a escrever
5 - ....

1

apresentação

É difícil. Querer explicar sobre um lugar em algumas linhas. Afinal, um lugar não é o mesmo lugar sempre: o lugar muda, as pessoas mudam, e nessa multiplicação de mudanças ainda existe a falta de precisão de comunicação de quem fala (escreve), falta da precisão de interpretação de quem escuta (lê), criando-se assim um outro lugar, não muito diferente do que existe, mas nunca igual. Para ter certeza que não vou deixar pequenas margens para pensarem algo um pouco diferente do que é, vou deixar margens gigantescas. Assim, lhes apresento:



Percepções (fantásticas) de Porto Alegre




passeio 1 - da FAU ao Mercado

Em uma primeira caminhada, saindo pela porta da frente da escola de arquitetura e urbanismo da UFRGS (o prédio de tal escola possui outras portas, mas, por algum encanto, supostamente de uma bruxa que será mencionada mais adiante, não é possível passar por elas), já encontramos um homem com certos poderes: dependendo da pessoa que passa, ele aparenta ser tal como é, mas, para uma grande maioria, ele se mostra (ou se esconde) como uma grade, uma bicicleta, uma pedra, dependendo do local específico onde esteja, tal qual um camaleão que se camufla, fazendo assim com que não seja notado por essa grande maioria.  Uma pena que, como na maioria das vezes (e do tempo que viveu) se passou por algum objeto inanimado, quando volta a ser uma pessoa normal tem dificuldades de caminhar e falar, inércia das características de tais objetos. Se o vir, um homem de idade entre 35 e 45 anos, estatura baixa, com barba por fazer, se locomovendo com dificuldade, não deixe de falar com ele: no começo é difícil de compreende-lo, depois, a conversa fica mais fácil, sendo provável que terá que recusar, ou não, seus pedidos por cigarro.




Dali mesmo, logo em frente a faculdade, é possível ver as prisões amaldiçoadas, que estão penduradas em vários postes da cidade. A bruxa, a qual já mencionei rapidamente, querendo ver sofrer uma população de seres verdes que residia livre e feliz nos arredores da área hoje situada pela cidade de Porto Alegre, além de diminui-los, aprisionou-os individualmente em pequenas caixas de aproximadamente 30 x 15 x 15 cm. Mas não é só isso: tais caixas não contém furos para a entrada de ar. O único contato de cada um com o ambiente fora da caixa é por poucos segundos, quando se abre uma janela e é possível vê-los. Porém é preciso prestar muito atenção, pois é muito rápido e logo em seguida uma mão robótica fecha a janela novamente deixando-os quase sufocar até a morte, até abrir novamente a janela, num ciclo infinito. Não bastasse tamanha crueldade com essa antiga civilização, a bruxa instalou relógios na abertura de cima das prisões, afim de que as pessoas que vivem hoje em Porto Alegre vissem, além dos prisioneiros, o pouco tempo de liberdade que os mesmos possuem. A minha teoria é para por medo nas pessoas que passam por ali. Todos jornais afirmam que o aprisionamento dos seres verdes é para o bem da população atual da cidade, que os mesmos não tem sentimentos e não importa se eles sofrem, e que o relógio serve apenas para melhorar o fluxo de veículos e pessoas soltas. Porém há muitos indícios de isso não é verdade, muitos.


Essas prisões são muito antigas. Em Porto Alegre há outras coisas antigas também. Não tão antigas quanto as prisões são os bretes, espalhados pelas ruas da cidade. Como todos sabem, depois que os "verdes" foram aprisionados, toda a área que ocupavam foi comprada por um fazendeiro, o qual instalou bretes, mangueiras, cercas, e tudo mais para que sua fazenda tivesse uma boa estrutura, afim de receber grandes rebanhos. A bruxa gosta de preservar algumas coisas antigas, e deixou muito desses bretes pelas ruas.


Incrivelmente, o "homem camaleão" e exemplos da prisão e dos bretes estão todos a menos de 20 metros do ponto de saída da caminhada. Como se pode perceber, Porto Alegre possui inúmeras histórias, pessoas, equipamentos urbanos, lendas, verdades e mentiras. Não poderei descrever os detalhes de tudo que vi ao longo do trajeto que percorri, que foi desde a escola de Arquitetura até o Mercado Público, o qual falarei mais a respeito no final desses relatos. Porém posso citar muitas coisas que vi:

casas e prédios antigos, novos, grandes e baixos; de todas as cores, mas a maioria cinza; feitos de concreto e alvenaria, de lata e até de frutas (dizem que a bruxa de Porto Alegre quis copiar a bruxa da história de João e Maria, mas com frutas, pois ela se preocupa com as crianças);









estacionamento de passarinho
prédio com bicho de pé

outros bretes, mas diferentes (como não tem mais uso, e serve apenas como preservação do patrimônio histórico, cada um usa da sua maneira);






vários tipos de arte;


ruas para carros embaixo, ruas para carros em cima, ruas para carros dentro, ruas para pedestres de lado;











canyons.


Um pouco mais adiante, uma rua, onde se vende tudo, se vê de tudo, se grita e se escuta que se vende tudo; porém, mantenhas os olhos abertos, e se conseguir segurar a vontade, não faça registros no momento em que estiver passando por ali: onde se vende e se vê de tudo, nem tudo é para ser visto, muito menos fotografado ou filmado. 
Mas mesmo fotos e vídeos não são o bastante para entender e sentir. nem estar lá adianta muito: é preciso ficar muito tempo para se ter uma noção.
Essa rua começa a ficar movimentada e mais movimentada cada vez que se aproxima do mercado público. As pessoas são as mais diferentes possíveis: crianças, velhinhos, senhoras com a bolsa apertada contra o corpo, que caminham com pressa, olhando as vitrines, ou passeando com os filhos; os malandros, muitos malandros oferecendo coisas baratas, comprando, ou oferecendo dinheiro fácil; vendedores que olham, que gritam, que falam no alto falante, que caminham, que expõe sua mercadoria nas lojas, em bancas, nas calçadas, no chão, ou sobre mesas, e até dentro dos ônibus; lojas, na calçada e nos andares superiores dos prédios, galerias, shoppings.
A verdade é que nada é o bastante para descrever todas as informações dessa rua, afinal nossa cabeça precisa estar atenta aos produtos, às placas, às promoções, aos pedestres que se atravessam na frente, aos ônibus, aos gritos, às conversas, aos malandros, e aos nossos pensamentos, que nadam em águas turbulentas ao meio de tudo isso.













quase levaram minha câmera! enquanto eu olhava o jogo da tapinha (um cara que esconde uma bolinha embaixo de uma das três tampinhas que estão sobre a mesa) eu segurava o celular com a mão. um dos seus comparsas, o mesmo que fingia estar apostando e ganhando dinheiro para atrair apostadores, achou que eu estava filmando toda a enganação, e veio pra cima :/
celular de guerra: eu puxando e o malandro também. GANHEI

Enfim, o fim.
O passeio se encerrou com um pouco de carinho depois da confusão. afinal, o que sinto sobre o mercado é carinho.
O mercado.
Como descrever um lugar desses? Só se forem com infinitas palavras. E com fotos também não dá.
Tem que ir, e não uma ou duas vezes. Tem que ir. E ir indo.
Até que, sem perceber, se constrói um vínculo. É daqueles lugares que não tem um sentido se não forem os sentidos. Todos eles.
Para mim. Para mim.
É a referência, de espaço, de tempo, de cheiros e sabores.
Este é o mercado, que sempre vai ser o único mercado de porto alegre, mas nunca o mesmo.







3

passeio 2 - da FAU a CCMQ

Outra caminhada. Novamente saindo da frente da escola de arquitetura e urbanismo da UFRGS. Dessa vez, novamente, alguns anos mais velho depois de esperar o sinal verde, atravesso a rua Sarmento Leite entro em um das entradas para o campus da faculdade.
Tal faculdade, após um feitiço da famosa bruxa, pode abrir suas portas apenas uma vez a cada 6 meses. Não se sabe o motivo (os papagaios dizem que é por segurança, mas...). No restante dos dias muitas das portas e portões ficam fechados, ou, no máximo, ou com algum espaço para as pessoas passarem, as quais precisam dar algumas voltas a mais para chegar onde querem, pois, além dos portões e portas fechadas, ainda há os bretes.

Por todo o trajeto, não só esse, mas todos os outros também, encontra-se muitos postes, placas e paredes "filósofos". Não contente apenas em realizarem as funções às quais são obrigados, espalham pela cidade um pouco de arte, política, filosofia: um pouco de sentimento, dos outros. São muito comunicativos, através da telepatia, apesar de muitas pessoas não darem bola. Mas se virem alguém de frente para um poste ou parede, quieto, olhando, pensando, pode saber: está havendo comunicação.







Sempre ela, a bruxa. O que dizer do que fez com os carros? Transformou-os em seres tão importantes como pessoas, e agora geralmente possuem preferência sobre tais pessoas na maioria dos locais da cidade: não precisam passar pelos bretes; utilizam todo o tempo que os verdes ficam trancados na prisão para passarem pela sinaleira; não precisam passar por "faixas de veículos" para atravessarem a rua; além de ocuparem prédios inteiros pela cidade, principalmente no centro. É um desrespeito, na minha opinião, pessoas, as quais são menos importantes depois do feitiço da bruxa, ocuparem tantos prédios em locais privilegiados, enquanto os carros são obrigados a se deslocarem por tremendas distâncias.
Enquanto muitos políticos, muito éticos, buscam mudar essa situação, na rua des. André da Rocha automóveis já possuem quartos exclusivos, com direito a vista para rua.



Como o primeiro passeio, esse tem tantas histórias, lendas, e não poderei, nem que quisesse, detalhar com precisão cada ponto pelo qual passei. Por isso vou citar apenas alguns pontos, os quais considero curiosos:

escadaria, também filósofa
em frente a escadaria falante, o prédio observador
monstro
dentro da rua

prédios que contam histórias, e que são histórias
outros que já se foram, mas ainda estão ali
prédios tão lindos, que hipnotizam, que fazem imaginar
texturas
e texturas
formas
e formas
texfrutas
mais texturas
e texturas

letreiros que indicam funções


letreiros que indicam nomes




Mas há uma rua em especial, onde todos os sábados tesouros, antigos tesouros, são expostos na própria rua, em espaço aberto, bem à frente do seu local de comercialização. Tesouros guardados e resgatados com todo cuidado por caçadores de relíquias, os quais expõe suas conquistas com muito orgulho. O mais interessante desses tesouros é como eles mudam de valor de acordo com a pessoa que os vê: para muitos, um dos objetos pode não valer nada, enquanto para outros vale muito, mas muito mais que qualquer dinheiro possa pagar.






E o viaduto o Otávio Rocha: após veementes pedidos da população pela modernização da cidade, na década de 20, seus governantes resolveram por mandar construir um viaduto, mesmo que não fosse preciso (prática que encontramos até os dias atuais). Foi então pedido aos projetistas um viaduto único, inspirador, que ultrapassasse gerações, e nunca fosse visto outro igual. Tal projeto foi elaborado, e ficou aquela joinha que se pode ver hoje. Porém, apenas depois do projeto pronto e todos materiais comprados, notaram que não havia na cidade ponto tão importante quanto o próprio viaduto, em que este pudesse ser "instalado". Para isso, tiveram que cortar ao meio uma lomba, somente para construir tão bonito e charmoso viaduto, que liga as duas partes cortadas. Além desta engenhosa construção, a qual já chama muito a atenção, construíram enormes prédios à beira da parte cortada, formando assim, um grande canyon urbano.
Outro fato marcante logo após concluído o viaduto, é que os mesmos governantes, sabendo da evolução da arquitetura e engenharia, fizeram uma lei em que qualquer outro viaduto construído na cidade seria de péssimo gosto e inútil, afastando as pessoas deles, fazendo assim com que a obra construída sobre seu mandato ficasse eternizada como a mais bonita e utilizada de Porto Alegre.







E neste trajeto, em especial, se não o mais, o segundo prédio mais querido de Porto Alegre, o qual desperta tanto carinho quanto o Mercado. Hotel Majestic, o qual foi por vários anos teto do mais famoso, talentoso e genial passarinho que já passou pela cidade, e hoje, continua pulsando cultura pelas ruas do centro de Porto Alegre.





4

5

...


para terminar os relatos, achei legal ler algo a respeito de percepções, escrito por um dos grande:

"... a viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."               
                                                                                                                        José Saramago